quarta-feira, 4 de julho de 2007

Sabores da beira do rio e da mata

Luiz Sugimoto

A natureza é sábia e os povos ribeirinhos e da floresta, também. Açaí vermelho, açaí branco, buriti, castanha de cotia, castanha do Pará, castanha de sapucaia, inajá, jenipapo, mucajá e uxi são frutas originárias do Norte-Nordeste, quase desconhecidas no Brasil cosmopolita e pouco comercializadas também nos grandes mercados daquelas regiões.

Frutas podem oferecer dieta balanceada

Na verdade, as populações remotas é que mais consomem e se beneficiam dos elevados valores nutricionais das frutas nativas, delas extraindo, ainda, ungüentos e pomadas medicinais das folhas e raízes, e transformando troncos, galhos e fibras em materiais básicos para sobreviver no habitat. O paulistano Paulo Afonso da Costa, que de remoto guarda apenas o vago sotaque acaipirado de quando morou em Indaiatuba, estreitou contato com a cultura daqueles povos através da Embrapa-Pará, que solicitou dele uma análise detalhada da composição nutricional das frutas e castanhas. “Eles selecionaram, coletaram e me enviaram amostras das frutas mais características. Não tive a chance de ir até lá”, lamenta. Especializado em espectroscopia e em cromatografia líquida e gasosa pelo Instituto de Química (IQ) da Unicamp, Paulo Costa estudou a composição oleosa das polpas e castanhas para obter o perfil graxo e os teores de tocoferol e de fitosterol. Para isso, contou com a tecnologia disponível na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), onde a pesquisa, orientada pela professora Helena Teixeira Godoy, valeu-lhe o doutorado.

Traduzindo o que se trata, o pesquisador explica que poucas frutas do Norte-Nordeste, apesar da diversidade e da quantidade, contam com dados minuciosos sobre sua composição. “Quando os dados existem, geralmente trazem o percentual total de gorduras, fibras, proteínas e metais (cobre, zinco, ferro e magnésio), mas sem aprofundamento específico do perfil nutricional e dos efeitos sobre a saúde”. Um melhor conhecimento científico das espécies talvez permitisse saber, por exemplo, por que uma empresa francesa vem pagando caro pela colheita e extração do óleo de açaí no Ceará, quando a fruta possui muita polpa e apenas 0,5% de fração oleaginosa. “Eles congelam alguns mililitros do óleo e enviam à França. Para quê, eles não dizem”. É sabido que do óleo das castanhas do Pará e do buriti são feitos sabonetes finíssimos, todos exportados para os Estados Unidos. E que a castanha do Pará e a polpa e a castanha do buriti fornecessem um óleo de excelência para sorvetes e outros alimentos refinados, igualmente saboreados apenas em outros países. “Outro desperdício é a extração artesanal do óleo, com prensa, deixando-se o bagaço para os animais. Esses resíduos poderiam passar por nova extração em uma mini-usina, como ocorre com o azeite virgem, que passa pela prensa, esmagamento e depois pela extração da polpa da azeitona, obtendo-se ainda o azeite refinado”, observa Paulo Costa.

As análises

Analisando a proporção de ácidos graxos nas dez frutas do Norte-Nordeste, o pesquisador encontrou alto teor de ácido oléico nas polpas de mucajá (59,4%), buriti (60,3%) e uxi (66,5%), e nas castanhas de cotia (40,5%) e açaí vermelho (55,9%). O ácido linoleico está presente em alto teor nas polpas de inajá (14,6%) e jenipapo (17,5%), e nas castanhas de sapucaia (38,8%), buriti (44,3%) e Pará (44,4%). “O mais interessante é que o balanceamento de ômega-6 com ômega-3 está bem dentro das recomendações da Organização Mundial de Saúde, entre 3,1% e 4,1%. As polpas do inajá e do jenipapo apresentam 4,2% e 4,1%, assegurando uma dieta rica aos habitantes”, comenta. Os resultados também foram bons em relação aos teores de tocoferol total, com elevada presença de alfa-tocoferol, o mais importante para o organismo. “A polpa e a castanha do buriti, bem como a polpa do uxi, podem ser classificadas como fontes de tocoferóis, tanto em termos de vitamina A como de vitamina E”. Esta relação, segundo Paulo Costa, é percebida nos olhos e na pele. “Quando o uxi começa a frutificar, os povos da floresta – principalmente as crianças, que comem muito a fruta – ganham um suprimento extra de vitaminas. Apresentam uma pele mais viçosa, macia, enquanto os olhos ficam mais brilhantes”.
Ao comparar os teores de alfa-tocoferol com os de óleos vegetais comuns no mercado – soja, milho, palma, girassol e canola –, observou-se que apenas o óleo de girassol consegue superar o valor nutricional de vitamina E de todas as frutas analisadas. “A polpa do buriti, consumida in natura, é fonte de vitamina E, seguida da polpa de uxi. É boa notícia para uma população que não pode comprar óleos industrializados”. A decepção ficou por conta do fitosterol, cuja função é eliminar ou impedir que o colesterol sanguíneo avance no organismo, penetrando na placa coronária. “Nenhuma fruta analisada apresentou teores importantes. De qualquer forma, os povos ribeirinhos e da floresta submetem-se a atividades físicas cotidianas, sem o estresse das cidades. Colesterol elevado não é o problema deles”.

Comercialização

Na opinião de Paulo Afonso da Costa, a maioria das frutas selecionadas poderia suprir as necessidades diárias de calorias, vitaminas e minerais de todos os habitantes do Norte-Nordeste, além de representar um nicho de comércio. “Se cultivadas de acordo com o seu ciclo natural de reprodução, essas frutas ofereceriam uma dieta balanceada sem o recurso de alimentos e cápsulas industrializados”. Criar áreas de cultura destas frutas nativas, no entanto, é uma alternativa complicada, pois quase todas dão em árvores que demoram muito para crescer e produzir. “Caboclos vêm plantando árvores do uxi, que demoram 20 anos para florescer, mas o fazem de pai para filho e também para atrair as cotias e pacas. O buriti, que só vegeta em várzeas, ainda tem a particularidade de perder nutrientes quando coletado diretamente do cacho. Os ribeirinhos esperam o fruto cair. Eles respeitam o limite da planta”.As qualidades das frutas nativasAÇAÍA palmeira do açaí tem frutos que aparecem em cachos, com coloração quase negra. Da polpa se faz o vinho do açaí e o suco; da polpa congelada, sorvetes; e, da polpa em pó, geléia, bolo, mingau e corantes. Do tronco se obtém palmito. O fruto novo alivia distúrbios intestinais e o chá da raiz nova combate verminoses. O palmito em pasta é um anti-hemorrágico.
As folhas do açaizeiro cobrem de casas e das fibras se tece chapéus e cestos. Com o tronco resistente a pragas constroem-se casas e pontes. Os cachos secos viram vassouras, adubos e, se queimados, repelem insetos.

BURITI

É a mais alta e elegante das nossas palmeiras. Os frutos castanho-avermelhados e revestidos com escamas apresentam uma polpa bem amarela, encobrindo a amêndoa comestível. Da polpa adocicada se faz vinho, sorvete e doce. O broto terminal é saboroso palmito. Das folhas se fazem ripas, jangadas e cobertura de ranchos, e das fibras se tecem esteiras e redes. Do buriti também se extrai o óleo usado para fritura, fabricar sabão, acender lamparina. O óleo ainda é protetor solar e desodorante.

CASTANHA DE COTIA

É uma árvore frondosa que apresenta folhas hermafroditas, numerosíssimas. O fruto tem 20-25cm de diâmetro e uma casca fina revestindo a amêndoa. Esta amêndoa branca, depois de seca, fornece 50% de óleo amarelo claro e muito viscoso.

CASTANHA DE SAPUCAIA

A sapucaia é uma árvore que chega a 30m de altura, bela e frondosa quando em floração. O fruto grande, quase cilíndrico, guarda sementes também grandes. Maduro, abre uma tampa liberando amêndoas saborosas, apreciadas por homens e macacos. Com o fruto se produzem obras artísticas torneadas. A madeira pesada e dura é empregada na construção civil e naval, dormentes e pontes.

CASTANHA DO PARÁ

A árvore com até 50m de altura fornece um fruto quase esférico, contendo 12-24 sementes triangulares envoltas em polpa amarela. Muito apreciada in natura, da amêndoa se extrai o “leite de castanha”. As castanhas do Pará são conhecidas na Europa desde 1633 e utilizadas em doces finos, substituindo as amêndoas. O óleo amarelado, antigo sucedâneo do azeite da oliveira, é empregado em sabonetes finos e produtos farmacêuticos. Adulta, a árvore produz até 500 kg de castanhas/ano.

INAJÁ

O fruto do inajá é agudo nas duas extremidades e a amêndoa possui 57% de gordura. A palmeira, reta, tem 16-20m de altura. O palmito é talvez o mais saboroso de todas as palmáceas brasileiras. O fruto é também utilizado na defumação da borracha. O caule é usado na construção de casas rurais, rendendo caibros resistentes.

JENIPAPO

Árvore elegante, alcança 14m de altura. A polpa do fruto maduro é muito mole e, embora um pouco ácida, é agradável, estomática e diurética. Presta-se para compotas, doces, xaropes, vinho, licor e para a jenipapada, um popular refrigerante. A madeira está na construção civil, xilografia, mobílias. A casca do tronco tem efeito purgativo, anti-diarréico e cura feridas escorbúticas, úlceras venéreas e faringites glanulosas. A raiz é purgativa e anti-gonorréica. As folhas cozidas servem de anti-diarréico e anti-sifilítico.

MUCAJÁ

Árvore pequena e fruto de baga pequena, suculenta. É uma planta típica da Bahia e uma ótima fruteira nativa. Além disso, produz um leite adocicado que os garimpeiros tomam com café em lugar do leite de vaca. É deste leite que se prepara excelente goma de mascar. Chegou-se a exportar 150 toneladas de goma de mucajá para os norte-americanos.

UXI

A polpa do uxi é consumida in natura ou com farinha de mandioca, sendo usada também para sorvete, licor e doce. A literatura diz que a planta é inviável economicamente, pois leva até 15 anos para frutificar. Contudo, caboclos do Pará estão plantando uxi para venda no mercado.
O fruto tem polpa de textura arenosa e oleosa, e a casca é utilizada para artrite, colesterol e diabetes. Cem gramas de polpa de uxi fornecem 284 calorias. Do fruto se faz suco, sorvete, doce e vinho. O óleo é usado na culinária, com fins medicinais e para fazer sabão. A árvore tem 25-30m de altura e madeira densa e valiosa, o que tem levado à perda de bosques desta planta. As sementes servem para artesanato, defumação e confecção de amuletos.

Fonte: Jornal da Unicamp

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