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Entre as conclusões da análise sobre o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas estão que o IPCC precisa reformar sua estrutura gerencial, fortalecer procedimentos, ser mais transparente e destacar a base científica e até mesmo as discordâncias em seus relatórios (foto: Nasa) |
Da Agência FAPESP
Os processos empregados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para produzir seus relatórios periódicos têm sido, de modo geral, bem sucedidos. Entretanto, o IPCC precisa reformar fundamentalmente sua estrutura gerencial e fortalecer seus procedimentos, para que possa lidar com avaliações climáticas cada vez mais complexas, bem como com uma intensa demanda pública a respeito dos efeitos das mudanças climáticas globais.
A conclusão é de um comitê independente de especialistas reunido pelo InterAcademy Council (IAC), organização que reúne academias de ciências de diversos países, e está em relatório entregue nesta segunda-feira (30/8), na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e ao presidente do conselho do IPCC, Rajendra Pachauri.
O relatório, intitulado Climate change assessments: review of the processes and procedures of the IPCC, foi produzido por 12 especialistas coordenados pelo economista Harold Shapiro, ex-reitor das universidades Princeton e de Michigan, nos Estados Unidos. Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, integra o comitê indicado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das academias de ciência que aprovaram o relatório.
“O comitê fez recomendações sobre a governança do IPCC, funções e limites dos mandatos de dirigentes do painel e enfatizou o debate e a valorização de ideias contraditórias. A análise feita trata de como lidar com as incertezas e recomenda cuidado com a avaliação de impactos”, disse Brito Cruz.
A revisão do IPCC foi solicitada pelas Nações Unidas. O comitê revisou os procedimentos empregados pelo painel na preparação de seus relatórios. Entre os assuntos analisados estão o controle e a qualidade dos dados utilizados e a forma como os relatórios lidaram com diferentes pontos de vista científicos.
“Operar sob o foco do microscópio do público da forma como o IPCC faz exige liderança firme, a participação contínua e entusiástica de cientistas destacados, capacidade de adaptação e um comprometimento com a transparência”, disse Shapiro.
O IPCC foi estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente com o objetivo de auxiliar na formulação de políticas públicas a partir da divulgação de relatórios sobre os aspectos científicos conhecidos sobre as mudanças climáticas, os impactos globais e regionais dessas mudanças e as alternativas de adaptação e mitigação.
Após a divulgação de seu primeiro relatório, em 1990, o IPCC passou a ganhar a atenção e o respeito do público, a ponto de ter sido premiado com o Nobel da Paz de 2007. No entanto, com a divulgação do relatório de 2007, o painel de especialistas passou a ser alvo de questionamentos a respeito de suas conclusões.
O crescente debate público sobre a acurácia dos relatórios levou a ONU a solicitar ao IAC uma revisão do IPCC e recomendações sobre como fortalecer os procedimentos e processos do painel para os próximos relatórios.
A análise do IAC faz diversas recomendações para que o IPCC melhore sua estrutura gerencial, entre as quais estabelecer um comitê executivo que atue em nome do painel e garanta a manutenção de sua capacidade de tomar decisões.
“Para aumentar sua credibilidade e a independência, esse comitê executivo deveria incluir especialistas externos, não ligados ao IPCC e nem mesmo à comunidade mundial dos cientistas climáticos”, disse Shapiro.
O IPCC também deveria ter um diretor executivo que liderasse o secretariado do painel. Esse diretor seria o responsável pelas operações diárias e falaria em nome do IPCC. Segundo a análise do IAC, o atual secretário do IPCC não tem os níveis de autonomia e responsabilidade equivalentes aos dos diretores executivos de outras organizações.
Os mandatos do presidente do conselho e do novo diretor executivo também deveriam ser menores do que os dos atuais coordenadores do IPCC, limitando-se ao período de produção e divulgação de cada relatório, de modo a manter a variedade de perspectivas e o frescor das abordagens em cada relatório – o mandato atual do presidente do conselho é de até 12 anos.
A análise do IAC também recomenda que o IPCC adote uma política rigorosa para evitar conflitos de interesse entre as lideranças do painel, autores, revisores e responsáveis pela publicação dos relatórios.
Para a produção de sua análise, o comitê de especialistas consultou não apenas o próprio IPCC, mas também pesquisadores de diversos países que participaram na produção dos relatórios, bem como cientistas que criticaram os procedimentos adotados pelo painel em suas conclusões.
O público em geral participou da avaliação, por meio de questionários publicados na internet. O comitê também realizou diversas reuniões, inclusive no Brasil, para chegar às suas considerações.
Abordagem de controvérsias
Como a análise do comitê de especialistas convocado pelo IAC foi solicitada em parte por problemas no mais recente relatório do IPCC, o comitê também examinou os processos de revisão adotados pelo painel.
A conclusão é que o processo é eficaz, mas o comitê sugere que os procedimentos de revisão empregados atualmente sejam fortalecidos de modo a minimizar o número de erros. Para isso, o IPCC deveria encorajar seus editores a exercer sua autoridade de modo que todas as conclusões fossem consideradas adequadamente.
Os editores também deveriam garantir que os relatórios abordem controvérsias genuínas e que a consideração devida seja dada a pontos de vista conflitantes e propriamente bem documentados. Os autores principais deveriam documentar explicitamente que a mais completa gama de abordagens científicas foi considerada.
O uso da chamada “literatura cinza” (de trabalhos científicos não publicados ou não revisados por pares) tem sido bastante discutido, mas a análise do IAC destaca que frequentemente tais fontes de dados e informações são relevantes e apropriadas para utilização nos relatórios do IPCC.
“O IPCC já tem uma norma sobre uso criterioso de fontes de informação sem revisão por pares. O relatório do comitê de revisão confirma que esse tipo de fonte pode ser usado, desde que sejam seguidas as normas estritas já existentes e que protegem a qualidade científica das conclusões”, disse Brito Cruz.
Os problemas ocorrem quando os autores não seguem as normas do painel para a avaliação de tais fontes ou porque tais normas são muito vagas. O comitê recomenda que as normas sejam revisadas de modo a se tornarem mais claras e específicas, principalmente na orientação de que dados do tipo sejam destacados nos relatórios.
O comitê também sugere que os três grupos de trabalho do IPCC sejam mais consistentes nos momentos de caracterizar as incertezas. No relatório de 2007, o comitê identificou que cada grupo usou uma variação diferente das normas do painel sobre incertezas e que as próprias normas não foram sempre seguidas.
O relatório do grupo de trabalho 2, por exemplo, continha conclusões consideradas como de “alta confiança”, mas para as quais havia pouca evidência. O comitê recomenda que os grupos de trabalho descrevam a quantidade de evidência disponível bem como as discordâncias entre os especialistas.
“O relatório do comitê sugere atenção para levar em consideração as diferentes opiniões baseadas em fatos com base científica e para considerar atentamente o uso da literatura científica revisada por pares em línguas que não a inglesa. A intenção é tornar o relatório o mais abrangente possível”, disse Brito Cruz.
A demora do IPCC em responder a críticas sobre as conclusões de seu relatório de 2007 faz da comunicação um assunto crítico para o painel, de acordo com o comitê de revisão.
Os 12 especialistas recomendam que o IPCC complete e implemente a estratégia de comunicação que está em desenvolvimento. Essa estratégia deve se pautar na transparência e incluir um plano de contingência para respostas rápidas e eficazes em momentos de crise.
Segundo o comitê, como o escrutínio intenso por parte dos responsáveis pela formação de políticas públicas, bem como do público em geral, deverá continuar, o IPCC precisa ser “o mais transparente possível no detalhamento de seus processos, particularmente nos seus critérios de seleção de participantes e no tipo de informação científica e técnica utilizado”, disse Shapiro.