Por Fábio de Castro, da Agência FAPESP
Cientistas brasileiros e alemães se reuniram nesta terça-feira (16/11), na sede da FAPESP, em São Paulo, para discutir os rumos da pesquisa ambiental nos dois países.
O workshop sobre o tema “Física da biosfera” abriu o primeiro dia do programa científico do Ano Brasil-Alemanha de Ciência Tecnologia e Inovação, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Academia Leopoldina, da Alemanha.
Além do tema discutido em São Paulo, a programação inclui mais dois workshops nesta quarta-feira (17/11), “Materiais avançados”, na sede da ABC, no Rio de Janeiro, e “Gerontologia e doença cronodegenerativas”, no Instituto do Coração (InCor), na capital paulista.
Os coordenadores do workshop “Física da biosfera” foram Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), e Meinrat Andreae, diretor do Departamento de Biogeoquímica do Instituto Max Planck de Química, na Alemanha.
De acordo com Artaxo, o objetivo do evento foi identificar temas de interesse científico comum e fomentar iniciativas de pesquisa colaborativa entre os dois países.
“Esse evento de cooperação entre o Brasil e a Alemanha reconhece que hoje não se faz mais ciência de forma isolada, nem em um único país, nem em uma única disciplina. A cooperação internacional é absolutamente fundamental para o sucesso de ciência de alta qualidade”, disse à Agência FAEPSP.
Segundo o físico, ao longo dos últimos 20 anos, várias parcerias de sucesso surgiram entre Brasil e Alemanha na área de ciências ambientais. “Percebendo isso, a ABC e a Academia Leopoldina resolveram programar essa série de eventos, a fim de intensificar ainda mais cooperações científicas – em especial na área ambiental. O objetivo é que essa aproximação gere grandes projetos internacionais de longo prazo que serão implementados ao longo dos próximos anos”, explicou.
No workshop foram escolhidas três áreas centrais das ciências ambientais: mudanças climáticas globais, poluição atmosférica urbana e processos que regulam o funcionamento de ecossistemas de florestas tropicais como a Amazônia.
“Essas três temáticas foram selecionadas por serem as áreas críticas nas quais precisamos aumentar o conhecimento científico para resolver questões que são estratégicas tanto para o Brasil como para a questão ambiental global”, afirmou Artaxo.
Durante a reunião, os participantes propuseram e discutiram ideias científicas, identificando questões críticas e mais urgentes para serem trabalhadas. “É fundamental discutir conceitualmente em que direção podemos trabalhar para avançar nesses campos”, disse.
Na primeira sessão, Artaxo e Alfred Wiedensohler, do Instituto Leibniz de Pesquisas Troposféricas, da Alemanha, discutiram a questão de poluição do ar urbana. “Essa questão tem relação com o tema dos biocombustíveis, área na qual o Brasil tem uma liderança mundial e na qual a Alemanha tem um grande interesse estratégico”, indicou Artaxo.
Doenças da poluição
De acordo com Artaxo, cada vez se torna mais importante avaliar a questão da poluição nas diversas escalas: urbana, regional e global. Na América Latina, a poluição urbana se concentra especialmente em megacidades com grandes populações e elevado número de automóveis.
Os dois problemas mais graves se encontram em São Paulo – com 18 milhões de habitantes na área metropolitana e 6,5 milhões de carros – e na cidade do México, com 19 milhões de habitantes e 5 milhões de automóveis. “Em geral, o transporte é um fator significativo e bastante óbvio em termos de contribuição para a poluição do ar. Certamente, é o setor que deve merecer a maior atenção”, disse Artaxo.
A variabilidade das emissões de PM10 – partículas inaláveis de diâmetro inferior a 10 micrômetros, que causam diversas doenças respiratórias – é muito dinâmica na capital paulista, segundo o pesquisador.
“As taxas sobem muito entre 8 e 10 horas da manhã, caem drasticamente ao meio dia e começam a subir rapidamente no fim da tarde. O sistema responde muito ao tráfego de veículos”, explicou. Estudos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) indicam que as emissões veiculares correspondem a 37% da poluição da cidade. Outros 30% são provenientes de aerossóis também associados às emissões veiculares.
“Os aerossóis são partículas sólidas ou líquidas suspensas em um gás. Desse ponto de vista, a própria atmosfera é, por definição, um aerossol. A atmosfera contém partículas que vão de 1 nanômetro a 100 micrômetros de diâmetro”, explicou Wiedensohler.
Os processos de formação de partículas, segundo o cientista alemão, podem se dar por emissão direta – os aerossóis primários –, ou por condensação de gases – os aerossóis secundários. “Na atmosfera, predominam as partículas com menos de 0,1 micrômetro. Os aerossóis urbanos antropogênicos em geral são uma mistura de aerossóis primários e secundários, formados por material condensado”, disse.
As variações da concentração de partículas, no entanto, são grandes. Em áreas polares, a concentração geralmente fica entre uma e 100 partículas por centímetro cúbicos. Sobre os oceanos, entre 100 e mil. Em regiões continentais, normalmente a concentração varia entre 500 e 5 mil por centímetro cúbico. Nas grandes cidades e áreas poluídas, passa dos 100 mil.
Segundo Wiedensohler, as partículas de aerossóis atmosféricos com mais de 0,1 micrômetro podem influenciar diretamente o balanço radiativo da atmosfera, espalhando e absorvendo a luz solar. “As partículas escuras sobre as regiões polares brancas levam ao aquecimento da atmosfera. Por outro lado, partículas claras sobre a superfície escura dos oceanos provocam um efeito de esfriamento”, explicou.
Ciclos naturais exacerbados
Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador executivo do PFPMCG, ressaltou no workshop questões relacionadas às mudanças climáticas globais. Meinrat Andreae abordou questões acerca de processos relacionados à sociodinâmica da interação entre a população amazônica e o funcionamento do ecossistema da região – que precisam ser melhor compreendidos.
Nobre afirmou que os modelos climáticos globais ainda são insuficientes para estudar com precisão a dinâmica climática em áreas como a Floresta Amazônica. Segundo ele, há quatro fatores principais a serem considerados: a mudança climática, os eventos climáticos extremos, o desflorestamento e os incêndios.
“O que traz grande complexidade a esse sistema é que todos esses fatores interagem de forma contínua e simultânea. Cada fator influencia o outro, exacerbando-o. A aposta que fazemos é que os eventos extremos serão mais comuns no futuro – isso é mais plausível do que imaginar que tudo irá simplesmente secar. Basta considerar que, em 2005, a Amazônia teve sua terceira maior seca da história. Em 2009, a maior inundação da história. E, em 2010, a maior seca de que já se teve registro. Há uma clara exacerbação dos ciclos naturais”, disse.
Segundo Nobre, as mudanças climáticas, as emissões de carbono e a variação de temperatura são fatores primários que induzem às secas. A mudança do uso do solo, o desmatamento e a degradação da floresta são os fatores primários que levam ao fogo que, por sua vez, é um fator secundário.
As respostas do ecossistema a esses fatores, segundo Nobre, são o ponto sobre o qual há mais necessidade de pesquisas atualmente. As principais respostas identificadas são a secundarização – que ocorre depois de duas ou três vezes que a floresta cresce depois de incêndios sucessivos, mudando sua estrutura –, as mudanças na composição das espécies e a mudança do balanço entre mortalidade e crescimento das árvores. O resultado desses processos pode ser a savanização.
Tudo está conectado
Andreae destacou que a Amazônia funciona como um grande “reator tropical” operado pela biosfera, com interações entre a atividade humana, a ecologia, o clima e a a química do ecossistema e da atmosfera.
“Para compreender os processos e fatores que operam nesse grande reator, precisamos ter uma visão ampla e, além do regime de chuvas, da dinâmica hídrica, da biodiversidade e de outras características da floresta, temos que levar em conta a atividade humana na região”, disse.
Uma alta do preço do petróleo, por exemplo, pode ter uma influência importante na dinâmica ambiental da Amazônia, segundo Andreae. “Tudo está conectado. Com um preço mais alto do petróleo, o preço do etanol tende a aumentar. Isso faz com que os Estados Unidos produzam mais milho e menos soja, o que acarreta um aumento do preço da soja, tornando esse produto mais atrativo para o produtor brasileiro, cujas plantações poderão avançar sobre a Amazônia”, disse.
A desconexão entre as análises biogeofísicas e o retorno socioeconômico do sistema, segundo Andreae, é um desafio para os programas de pesquisa que investigam o sistema terrestre, como o Programa da Grande Esfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), do qual ele e Artaxo participam.