Um centro de pesquisas com agenda dedicada a duas questões principais: planejar a produção de etanol em alta escala no País e enfrentar os desafios científicos relacionados à viabilização da obtenção de etanol por meio da hidrólise enzimática.
A tarefa de desenhar uma proposta para um futuro Centro de Pesquisas em Bioetanol é uma das metas estabelecidas no contrato de gestão entre o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), que encarregou o físico Cylon Gonçalves da Silva de coordenar a elaboração do projeto conceitual. Até 31 de dezembro, o documento que conterá o projeto, base para sua instalação, será entregue ao ministro Sergio Rezende. “O desafio para o Brasil é produzir 10, 20 vezes mais etanol do que produz hoje. Para isso, o País deverá modernizar sua agricultura, organizar a produção, e investir na pesquisa em várias frentes para obtenção do etanol celulósico", reflete Cylon, que tem na sua bagagem a experiência de implantar o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. De acordo com ele, e baseado no estudo sobre etanol que o CGEE elabora desde 2004 (clique aqui para saber mais), “É aí que o novo centro desempenhará seu papel”, diz.
O contexto geral da produção de etanol no Brasil
O coordenador do projeto – que ocupou também a secretaria de programas e políticas do MCT durante a gestão do atual governador de Pernambuco, Eduardo Campos – observa que, nos níveis de consumo de energia atuais, os biocombustíveis serão um pequeno nicho no “gigantesco negócio” do fornecimento de energia. Esse nicho, no entanto, tem importância estratégica para o Brasil, porque aqui “tem terra, tem água, tem sol” para produzir etanol a partir de cana-de-açúcar. De longe, a cana é a planta de melhor eficiência energética entre as utilizadas atualmente: o etanol produz 10 ou até 11 unidades de energia para cada uma despendida na produção. Até aqui, entretanto, o caminho do etanol de cana-de-açúcar não requereu grande esforço de pesquisa. Cylon destaca o trabalho do Centro de Tecnologia Canavieira, de Piracaicaba, interior de São Paulo, financiado atualmente por um consórcio de empresas do setor. “Mesmo assim, o Brasil não produziu nada extraordinário do ponto de vista científico ou tecnológico”, observa. “O modelo atual da cultura de cana, baseado na queima da palha e em mão de obra quase “descartável” em pleno século 21, não serve a uma ambição nacional maior”, raciocina. Para atender a novos patamares de produção, será necessário estabelecer um novo modelo, intensivo em tecnologia, baseado na agricultura de precisão e na mecanização da colheita. “Nessa escala, será imprescindível a sustentabilidade – solo, água, biodiversidade têm que ser estudados com atenção”. Para ele, nesse assunto, a Embrapa deverá ter um papel central a cumprir – aproveitando, inclusive, sua presença em todo o território nacional e sua tradição no extensionismo rural.
Do ponto de vista da organização da produção, Cylon afirma que há uma lição a ser aprendida com o Estado de São Paulo: a lógica da concentração da produção em clusters. Essa proposta emerge dos estudos coordenados pelo professor Rogério Cerqueira Leite para o CGEE. “Cada centavo economizado vai contar para a competitividade do etanol brasileiro: os custos de transporte do campo para a refinaria, o custo de armazenamento, de distribuição”, diz. A produção concentrada responde à necessidade de otimização de custos e maximização da produtividade. Nessa logística, a Petrobras e suas subsidiárias, como a Transpetro, assim como o CENPES, são as grandes parceiras. Atendidos esses dois desafios, resta a pesquisa nas novas tecnologias para produção de etanol – não mais a partir do açúcar, mas da celulose da cana. Há consenso entre os pesquisadores, no Brasil e no exterior, de que o etanol celulósico poderá alcançar o patamar de eficiência energética da cana brasileira, em termos de conversão de energia. Os Estados Unidos, atuais líderes mundiais na produção de etanol – obtido a partir de milho, com baixa eficiência --, investem organizadamente em pesquisa e desenvolvimento para a viabilização comercial do etanol celulósico.
“O desafio de pesquisa a longo prazo, para o Brasil, é a planta energia – quer dizer, projetada para ser fonte de energia, não mais de açúcar”, explica Cylon. Os hidrocarbonetos produzidos pela fotossíntese são utilizados pelas plantas com duas funções: uma metabólica e outra estrutural. A parte metabólica são, principalmente, os açucares presentes na seiva – no caso da cana, em seu caldo. Da fermentação dos açúcares é que se obtém o etanol. Para criar sua estrutura, a planta utiliza outros hidrocarbonetos: celulose, hemicelulose e lignina – presentes no caule, por exemplo. A celulose pode ser quebrada em açúcares e, depois, fermentada em etanol. “Ocorre que a celulose faz parte da “armadura” da planta, difícil de quebrar. Para obter etanol celulósico, é preciso usar métodos extremamente violentos – alta pressão, alta temperatura, ataque químico”, continua o físico. Por isso, o ideal é desenvolver variedades de cana que permitam acesso mais fácil à celulose. Isso configura um programa de pesquisas, genômica proteômica, metabolômica da cana, metabolismo de organismos capazes de digerir a celulose, engenharia genética das leveduras que fermentam o açúcar, para que se tornem capazes, por exemplo, de sobreviver em alta temperatura e pressão. “São problemas fascinantes – significa descer ao controle da matéria ao nível molecular”, revela Cylon. Essa seria a agenda de pesquisa básica do centro, que teria também um papel de integrar em uma rede o que já se faz no País nesse assunto. "É um cardápio pesado”, avalia Cylon. “Além da pesquisa básica, entendo que cabe também ao centro pensar holisticamente além de subsidiar e planejar a sustentabilidade da produção em larga escala”, advoga.
“Até agora, procurei organizar o planejamento do novo centro”, conta Cylon. Para isso, o pesquisador buscou alcançar um consenso ainda informal entre pessoas de grande experiência junto aos setores acadêmico e produtivo sobre aspectos conceituais como sua missão, seus objetivos e programas. Para ele, essa etapa está praticamente esgotada. Houve também a definição do local onde será instalado o centro: no início de novembro, o prefeito de Campinas (SP), Hélio Santos, editou o decreto para a desapropriação de uma área de 25 mil m2, no Pólo de Alta Tecnologia da cidade. De agora até o final do ano, as preocupações do coordenador serão outras questões práticas: em quanto tempo o Centro será instalado, com quantos pesquisadores em cada etapa, com que volume de investimento? “As diretivas do ministro Sergio Rezende são claras: um Centro que, por um lado, realize pesquisas, mas, por outro, que articule, que coopere e que até fomente a pesquisa “extra-muros”, nas Universidades e em outros Centros, para mobilizar da forma mais rápida e eficiente possível os recursos humanos disponíveis no País. O desafio é complexo e amplo demais para ser enfrentado por um Centro isolado. Precisamos de um “mutirão” das competências nacionais, tanto do setor público quanto do setor privado.”, finaliza o consultor do CGEE.