Bel Levy
A hanseníase tem cura – rápida, simples e barata. O tratamento gratuito, administrado por via oral, é disponível em unidades de saúde de todo o país e apresenta resultado desde a primeira a dose. Apesar disso, a doença ainda atinge mais de 200 mil pessoas em todo o mundo a cada ano, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Dia Mundial de Combate à Hanseníase, comemorado no último domingo de janeiro e que marca também a luta pelo fim do estigma envolvendo os portadores da doença, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz – que iniciou em 1927 os estudos sobre a doença – ressalta a importância do diagnóstico precoce e alerta a população para que esteja atenta aos sintomas da hanseníase.
A falta de informação quanto à gratuidade e eficácia da medicação e o preconceito que envolve a doença desde épocas remotas – referências mais antigas datam de 600 a.C – estão entre os principais obstáculos para a sua eliminação. Durante muito tempo, a hanseníase foi sinônimo da discriminação e do isolamento de seus portadores, em função da deformidade a que os casos mais avançados da doença podem levar. Até meados do século 20, pacientes eram submetidos a longos anos de exclusão do convívio social, já que a única forma de tratamento conhecida era o isolamento nos leprosários. Se tratada em fase inicial, porém, a doença não evolui de forma grave e não é transmitida.
Atenção à população
Centro colaborador nacional do Ministério da Saúde, o Laboratório de Hanseníase do IOC, situado no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro, oferece atendimento completo à população através de sua unidade assistencial, o Ambulatório Souza Araújo. “O acompanhamento por um centro de referência como o Souza Araújo possibilita o acesso a exames de alta complexidade e atendimento por especialistas”, garante a médica Maria Eugênia Noviski Gallo, chefe do Laboratório de Hanseníase. “A partir dos atendimentos feitos no ambulatório, fazemos pesquisas de caráter clínico, epidemiológico e laboratorial e procuramos conscientizar o paciente a respeito da doença. Assim, ele se torna um propagador desta informação”, completa. No ambulatório do IOC o paciente diagnosticado é encaminhado também para orientação por assistente social e para os cuidados de fisioterapia, com o objetivo de prevenir incapacidades físicas. “Além da orientação de educação em saúde, nosso trabalho se propõe a ajudar os pacientes e suas respectivas famílias a compreenderem melhor as questões culturais que envolvem a hanseníase, buscando minimizar o estigma histórico”, sintetiza a assistente social do Ambulatório Souza Araújo, Rita Maria de Oliveira Pereira. “Só a confirmação do diagnóstico não basta para convencer o paciente a fazer o tratamento, ele precisa de uma orientação específica, que varia de pessoa para pessoa. Por isso, é preciso escutar o silêncio do outro, enxergar nas expressões não-verbalizadas a necessidade da cada um, para então poder atendê-las”, explica.
Além do atendimento à população e da pesquisa científica, o Laboratório de Hanseníase investe na formação de recursos humanos e proporciona estágios para médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem para toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS), além de produzir um grande numero de teses e dissertações de doutorado e mestrado.
O ambulatório homenageia o médico Heraclides César de Souza Araújo, um dos pesquisadores pioneiros no estudo da hanseníase no país, que criou o Laboratório de Leprologia do IOC, em 1927. Autor de dois compêndios que se tornaram clássicos no estudo da história da doença – A história da lepra no Brasil e A lepra em 40 países –, Souza Araújo dedicava-se à pesquisa com intuito de cultivar o bacilo ao mesmo tempo em que atendia os pacientes infectados no então Hospital de Manguinhos.
A morte de Souza Araújo, em 1962, e o período da ditadura militar, quando o episódio conhecido como Massacre de Manguinhos foi responsável pela cassação de pesquisadores e pela descontinuidade de diversas atividades, fez com que o Instituto experimentasse, então, uma lacuna no estudo e atendimento à hanseníase. Em 1976, a revitalização teve início com a estruturação do Laboratório de Hanseníase por Lígia Madeira Maria Helena Saad. A pesquisadora Maria Eugênia testemunhou de perto esta história. “O IOC absorveu o Instituto de Leprologia, onde eu trabalhava prestando atendimento médico. O Instituto, que era um órgão do Ministério da Saúde, havia sido extinto por decreto ministerial. O acervo patrimonial, científico, os funcionários e pacientes que recebiam atendimento ambulatorial foram transferidos para o campus de Manguinhos”, conta. A pesquisadora que percorre diversos locais do país para prestar assessoria e informar profissionais de saúde sobre a doença, também dá um importante relato sobre a situação da hanseníase no país. “A partir da década de 1960, os leprosários foram finalmente extintos para serem transformados em hospitais gerais ou dermatológicos, que possam tratar os pacientes sem discriminá-los”, diz. “Essas e outras medidas empreendidas pelo Ministério da Saúde por meio do Programa Nacional de Eliminação da Hanseníase – como a descentralização do tratamento, o atendimento pela rede básica de saúde, investimento em reabilitação, treinamentos e capacitação continuada – fizeram o país avançar no desafio de erradicar a doença, porém ainda há muito a ser feito.
Fatores não biológicos, como o preconceito, as desigualdades sociais e a falta de saneamento para grande parte da população são fatores que precisam ser corrigidos para que o Brasil consiga atingir e sustentar a meta de eliminação da hanseníase”, conclui.
Conheça a doença
A hanseníase é uma doença infecciosa crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, conhecida como bacilo de Hansen, que pode ser transmitida por secreções nasais ou saliva de portadores que não receberam tratamento. Pacientes em tratamento regular e pessoas que já receberam alta não transmitem a doença. É importante ressaltar que a contaminação por contato social é pouco provável – por fatores genéticos de resistência e suscetibilidade, somente 5% das pessoas que entram em contato com um portador de hanseníase desenvolvem a doença.
O período de incubação (da infecção à manifestação de sintomas) tem duração média de três anos e a evolução do quadro clínico depende do sistema imunológico do paciente. Por essa característica, a hanseníase é mais comum entre populações de baixa renda, desprovidas de alimentação e condições de higiene adequadas. Os sintomas incluem manchas brancas ou avermelhadas sem sensibilidade para frio, calor, dor e tato; sensação de formigamento, dormência ou fisgadas; aparecimento de caroços e placas pelo corpo; dor nos nervos dos braços, mãos, pernas e pés; e diminuição da força muscular. A identificação da doença é essencialmente clínica, feita a partir da observação da pele, de nervos periféricos e da história epidemiológica. Excepcionalmente são necessários exames laboratoriais complementares, como a baciloscopia ou biopsia cutâneas. A hanseníase pode ser paucibacilar (PB) – quando o paciente apresenta de uma a cinco manchas pelo corpo – ou multibacilar (MB) – quando são encontradas mais de cinco manchas. Quando são paucibacilares, os pacientes não transmitem a doença. Os multibacilares sem tratamento, porém, eliminam bacilos através das vias respiratórias e podem transmitir a doença.
A hanseníase tem cura e, quando tratada em fase inicial, não causa deformidades. O tratamento, denominado poliquimioterapia (PQT), é gratuito, administrado via oral e está disponível em unidades públicas de saúde de todo o Brasil. A PQT consiste na associação de duas ou três drogas (rifampicina, clofazimina e dapsona), definidas a partir do tipo de hanseníase desenvolvido – PB ou MB. Completado o tratamento com regularidade, o paciente recebe alta e é considerado curado.