Juiz de Fora, 16/07/06Visto do asfalto, o Paraibuna parece apenas uma grande porção de água poluída que se arrasta pela cidade. Mas quando o olhar busca um novo ângulo é possível descobrir que a vida resiste no rio. De suas margens, nascem hortaliças cultivadas por quem retira de lá parte de seu sustento. Além das hortas que se multiplicam, pequenas “granjas” modificam a paisagem de sujeira. Junto ao curso d’água, anônimos cuidam do pedaço de terra ao seu alcance, plantando árvores e retirando plásticos agarrados à vegetação, para transformar o espaço em local de descanso e produtividade.Joaquim Francisco do Prado, 73 anos, integra o povo do rio. Diariamente, ele deixa a casa simples onde mora, no Bairro Jóquei Clube, para cuidar da horta que mantém na beira do Paraibuna. Acompanhado da enxada, passa a maior parte do tempo tratando o solo que acaba de lhe dar 180 quilos de feijão em troca dos dez que semeou. Na mesma área, há abóbora, tomate, milho, mandioca, inhame, couve e alface. Os planos de aumentar o cultivo incluem café e quiabo. “O terreno é muito bom e não precisa colocar nenhum adubo. Antes, olhava para o Paraibuna e pensava só em sujeira, hoje valorizo muito o rio”, comenta o ex-funcionário dos Moinhos Vera Cruz, que buscou a área com a intenção de “torná-la produtiva”. Joaquim divide a colheita com a família e vende o que sobra na região onde mora. Na calçada da rua em que vive, seca o feijão que vai para sua despensa. Em casa, fez questão de fritar a mandioca colhida, para atestar o sabor dos alimentos que cultiva não só na beirada do rio, mas em terrenos baldios.
Sombra e água não tão fresca
João Batista de Lima, 85 anos, tem orgulho do “recanto” que criou. Sentado em baixo de uma das bananeiras que plantou na margem do Paraibuna, ele mostra o resultado de 14 anos de esforço para preservar o “seu” pedaço do rio. “Meu não, nosso”, corrige o aposentado que trabalhou durante 36 anos em área do Exército, localizada na região da Remonta. “Quando saí da roça e vim para a cidade, fiquei muito espremido. Como isso aqui era cheio de imundície, resolvi limpar e plantar árvores para ter uma sombra. Aqui é muito bom para passar as horas. Descansa a memória”, diz, mostrando, ainda, o maracujá e a batata doce que plantou.
O morador da Avenida Brasil que faz questão de manter uma porção do rio limpo, preocupa-se com o seu destino. “Fico triste de ver o meu povo fazer o que faz com o Paraibuna. Olha lá descendo lixo. É gente preparada que faz isso. Se fosse eu, que não sei ler, nem escrever, seria uma coisa. Mas é horrível ver quem tem conhecimento fazer isso. Nós todos precisamos de água.”
Especialistas vêem cultura de hortas com cautela - A atividade de plantio, desenvolvida na margem do rio, é vista com cautela por especialistas. O professor de olericultura - técnica do cultivo de hortaliças - da Universidade Federal de Viçosa, Mário Puiatti, defende esse tipo de cultura como forma de melhorar a qualidade de vida das comunidades, mas explica que a beira de rio é considerada imprópria para a atividade, pois o transbordamento, provocado pela cheia das águas, pode levar parasitas aos alimentos e causar danos ao meio ambiente, já que a terra revolvida para implantação das culturas traz risco de assoreamento. Segundo o engenheiro florestal do Ibama, Agostinho Gomes da Fonseca, o Código Florestal proíbe qualquer tipo de intervenção em área de preservação permanente, localizada, no caso do Paraibuna, a cerca de 50 metros do curso d’água. “O uso da área só é permitido mediante autorização de órgão competente, e desde que a atividade seja comprovadamente de interesse social.”
A engenheira florestal da Embrapa, Elizabeth Nogueira Fernandes, reforça a necessidade de preservação das matas ciliares. Além de garantir o equilíbrio do ciclo hidrológico, elas funcionam como zona de amortecimento, impedindo que sedimentos deslocados pela chuva atinjam o rio causando mais assoreamento. No entanto, ela reconhece a questão social que envolve a permanência dos pequenos agricultores no Paraibuna. “É preciso monitorar a atividade deles e ver em que condições está sendo desenvolvida. É necessário fazer um balanço do impacto social e ao meio ambiente”, pondera.
Despoluição - Se o povo do rio tem mudado o aspecto visual do Paraibuna, o atual contrato de empréstimo da ordem de R$ 63 milhões, assinado entre a Prefeitura e a Caixa Econômica Federal para despoluição do rio, poderá melhorar sua situação química e biológica. O secretário de Planejamento e Gestão Estratégica, José Maurício Gomes, explica que o objetivo principal é adotar medidas de saneamento para o esgoto doméstico, por meio da ampliação e criação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). As obras do projeto, que está em fase final de discussão técnica, deverão ser iniciadas a partir de 2007 e concluídas em dois anos. “Queremos utilizar da forma mais abrangente e eficiente possível esse recurso”, disse, acrescentando que a contrapartida da Prefeitura é de R$ 7 milhões. Quanto ao esgoto industrial, Gomes destaca a necessidade de conscientização dos empresários e de rígida fiscalização dos órgãos ambientais. Segundo o superintendente da Agenda JF, Williams Martins Coelho Lima, a maioria das indústrias de Juiz de Fora está licenciada junto à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e, por lei, é obrigada a manter suas próprias ETEs. “Exercemos a fiscalização e, em caso de descumprimento, encaminhamos denúncia para Feam”.
Garis retribuem com limpeza- Quem entra na “granja” de Benjamim Marques Neto, 39 anos, dificilmente consegue acreditar que está na beira do Paraibuna. Além do aspecto de limpeza, a área situada no Acesso Norte surpreende pelo inusitado. O espaço é povoado por galinhas, patos, gansos, peru (cujo peso chega a 4kg) e porco. A criação, vendida para motoristas que trafegam pela via, contribui com o orçamento doméstico. Além dos animais, ele comercializa ovos e vende bambu usado como varal por donas de casa da redondeza. A retirada do lixo das margens, uma preocupação de Benjamin, é feita utilizando uma carroça. Morador da Avenida Brasil, Benjamim apenas atravessa a rua para chegar ao local que cercou, a fim de evitar que as galinhas importunem o vizinho João Batista. “Realizei o sonho de ter uma granjinha. Sempre quis comprar uma, mas é muito caro. Só estudei até a segunda série e trabalho está difícil”, explica.
A cano a e o rio - Helvécio Mendes Pereira, 55 anos, também extrai do Paraibuna sua sobrevivência. Há quatro anos, ele retira artesanalmente areia do leito do rio e pelo trabalho consegue R$ 25 ao dia. “Vim para cá, porque sou considerado velho para o mercado de trabalho e novo para receber o benefício do INSS. Então, chego às 4h30, para iniciar o serviço que encontrei.” Com o coador junto ao pequeno barco, ele enche, diariamente, um caminhão de areia. A atividade, segundo ele, também ajuda a manter o rio limpo. “Somos os garis do Paraibuna. Tudo de lixo e plástico que vem no coador, nós recolhemos das águas.”Para manter a produção, Helvécio repete, em média, mais de mil vezes o mesmo movimento, mas a necessidade lhe dá forças para continuar. “Tenho dois filhos e uma neta que ajudo a criar. A gente pena, quero apenas sobreviver”, afirma, comentando, ainda, a luta para conseguir a licença definitiva para trabalhar. Desde janeiro, aguarda resposta sobre o pedido de licença específica junto à Agência de Gestão Ambiental Juiz de Fora (Agenda JF). “Querem exigir de nós a mesma documentação que uma grande empresa do setor de mineração precisa para explorar a atividade.”
Rigor - O superintendente da Agenda JF, Williams Martins Coelho Lima, explica que o processo de licenciamento leva em média 180 dias devido à necessidade de parecer dos diversos órgãos ambientais e do rigor na concessão da licença. “Hoje os areeiros estão bem conscientes do que podem fazer para não degradar o rio. Sem orientação, a atividade pode causar assoreamento”, diz. Atualmente, cerca de dez areeiros exercem a atividade na área urbana. No entanto, o número não é oficial, pois o levantamento ainda não foi concluído pela Agenda JF.Segundo Helvécio, os problemas não o impedem de ser feliz. “Apesar das dificuldades, sinto-me um herói por conseguir tirar, com o meu suor, o sustento de minha família.”